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Em 2005, Glória Perez e direção da Globo trocaram farpas por beijo gay vetado em América



O último capítulo da novela América (2005), de Glória Perez, foi exibido ontem (19) no Viva, a baixa repercussão da reprise na TV fechada escancara a crise que o canal enfrenta sem ter repercussão nas redes sociais.

Mas em 2005, a novela de Glória Perez sacudiu o país, seu último capítulo bateu recorde de audiência e marcou 66 pontos, mais audiência que a novela anterior Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva, que foi a maior audiência geral da década. Glória soube seduzir a audiência após um início conturbado que resultou entre outras mudanças a queda do diretor Jayme Monjardim.

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Mas o último capítulo teve um gostinho especial: o tão esperado beijo gay que não foi exibido. A expectativa era tão grande que rendeu matéria até na mídia internacional. Antenada, Gloria Perez trocava figurinhas com os fãs no Orkut, rede social popular no país, que equivale ao X (antigo Twitter), quando se trata de discussão.

Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) entrariam para história se não fosse Luís Erlanger que na tentativa de se safar das críticas da censura culpou a novelista Glória Perez pelo não exibição: "Não houve cena cortada. No capítulo que foi entregue, não tinha essa gravação. E, se tivesse [a cena], e a Globo julgasse que deveria cortar, cortaria, como corta tudo o que acha que não é pertinente”, disse o diretor a Folha.

Foi então que um caos e uma briga entre o diretor e a novelista foi instaurada: “Fiquei perplexa quando eu li [a declaração do Erlanger], porque eu e o Marquinhos [Marcos Schechtman, diretor da novela] tivemos duas reuniões [com a cúpula da TV] e ficamos defendendo a cena do beijo até o final. Ela foi feita, está lá no capítulo, pode ligar para o Bruno Gagliasso e o outro ator. Eu não sou maluca, divulguei que o beijo ia sair”.

A entrevista de Glória Perez escancarou a censura: “Eu não posso ficar carregando isso. Acho uma suprema injustiça abrir a internet e ler que fui eu que desisti do beijo. Briguei até o fim pelo beijo. Se aquele pedaço foi ao ar, foi porque briguei bravamente até o fim”, disse a autora que brigou até o fim pela exibição da cena, segundo ela em uma reunião entre os executivos da Globo, ela e o diretor geral da novela a cena foi defendida.

No site Memória Globo, o assunto é abordado de forma ampla sem falar sobre os bastidores da novela, a defesa de Glória Perez e o veto pela direção da emissora: “Havia grande torcida a favor do beijo, liderada por organizações de homossexuais, mas ele não aconteceu. Apesar de gravada, a cena não foi ao ar”, o site fala ainda sobre a trama de Junior e Zeca e continua abordando o assunto de forma jocosa, falando em “opção sexual”.

PROTESTO E XINGAMENTO


O veto ao beijo gay rendeu muita polêmica, Glória foi alvo de ataques e ficou inconformada com a situação: “O protesto dos gays fica em cima de mim, e não tenho culpa. Escrevi a toda a diretoria para que retirem a informação. Não é justo. Espero que os grupos protestem contra a casa, não contra mim”, ainda segundo entrevista para a Folha.

Ainda naquele ano, em 2005, a Folha noticiava que a autora deu uma cansei na Globo para renovar o contrato que venceria no final de dezembro: “[Glória Perez] ainda não engoliu o fato de Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação (CGCom), ter dito que foi ela a responsável pelo corte do beijo gay em "América". A autora tem falado cobras e lagartos por aí. A Record ficou sabendo e não perdeu tempo. Mandou avisar que tem interesse nela”, segundo a colunista Fabíola Reipert. A então colunista da Folha, noticiou que a Igreja Católica estava envolvida no veto ao Beijo.

O veto foi repercutido e telespectadores pediam até mesmo um beijaço (manifestação em que diversas duplas de pessoas do mesmo sexo realizavam um beijo simultaneamente): "Na hora do beijo que não aconteceu, me senti menosprezado por ser gay e não ver um beijo gay acontecer na TV", escreveu Eli no fórum do MixBrasil. "Vamos fazer um beijaço em frente à sede da Globo para que eles possam ver que somos reais e não personagens", sugeriu outro participante. "Foi um grande golpe para alavancar a audiência."

Se foi um golpe para alavancar a audiência a emissora conseguiu, América conquistou 6 pontos a mais que Senhora do Destino. Mas causou um tremendo desconforto para a substituta Belíssima, de Silvio de Abreu, que estreou com 2 pontos de audiência a menos que a estreia de América.


Fotos de Lula Marques

E não foi na frente da Globo que o protesto foi realizado, em Brasília um grupo de 300 pessoas protestaram em frente ao congresso: "Já que a novela não mostrou, os homossexuais reais vão mostrar o beijo aqui em frente ao Congresso", disse Leandro Oliveira, um dos líderes da ONG Estruturação.

Bruno Gagliasso deu ainda mais gás a polêmica que envolveu Glória e a Globo e defendeu a exibição do beijo, relatando que a cena foi gravada sim: “Foi gravado. Era uma cena que me dava conforto em realizar. Havia consenso entre os responsáveis pela novela de que a cena deveria ser de bom gosto, centrada no amor. O beijo teria a mesma sensibilidade com a qual o tema foi conduzido”.

Anos depois, com a popularização do streaming no Brasil um abaixo assasinado digital pedia que a Globo disponibilizasse o beijo na íntegra, mas a emissora disse na época que as fitas tinham sido apagadas. O assunto foi abordado no documentário Orgulho Além da Tela, disponibilizado pelo Globoplay, em 2021: “A gente criou uma expectativa, estávamos torcendo para que isso acontecesse. Eu como artista, e sendo gay, colocar isso na roda seria incrível”, declarou Erom.

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“A repercussão de não ter tido o beijo gay foi muito grande. As pessoas ficaram indignadas. E eu fui bem criticada por isso, como se tivesse alguma coisa a ver. A verdade é que eu também fiquei muito triste”, comentou Glória.

20 ANOS DEPOIS

GERALDOPOST entrou em contato com Bruno Gagliasso para falar sobre o episódio, mas não obteve retorno, assim como Glória Perez e Erom Cordeiro, pessoas envolvidas diretamente na cena. No final de junho, na semana do Orgulho LGBT, Gagliasso publicou uma série de fotos e vídeos em que aborda o assunto e fez um grande relato sobre o episódio, leia abaixo:

Toda novela com personagens LGBTQIA+ tinha essa expectativa. Será que agora vai? E nunca ia… A tal “cena do beijo” foi a minha última naquela novela. Gravamos a cena, ficou bem bonita e eu tinha certeza que finalmente iria rolar o tal “beijo gay”. No último capítulo, Zeca e Junior em clima de romance, trilha sonora e… CORTA! Pois é… a cena NUNCA foi ao ar. Mesmo gravada, editada, tudo certinho… Nada do tal beijo. Fiquei muito pistola naquela época. Mas ok, passou… Quem sabe exibam na reprise, não é mesmo?! Grande engano… Foi aí que eu descobri que DELETARAM a cena. Não existe nada no arquivo. Como se isso nunca tivesse existido. Falei com um mundo de gente pra ver se conseguiria recuperar, mas nada. Quando lembro disso, ainda fico bem frustrado. Mas sempre gosto de recordar dessa história pq mostra como, apesar dos pesares, evoluímos nesses vinte anos. Beijo deixou de ser um tabu. O casamento igualitário hoje é uma realidade. Casais LGBTQIA+ sentem-se mais a vontade para manifestar seu afeto em público. E acho, de verdade, que a nossa dramaturgia ajudou muito nessa evolução. Quando nossas novelas naturalizaram o afeto, passamos a também naturalizar na vida real. Beijar, abraçar, assumir um relacionamento não são mais grandes questões. Eu só fico pensando quanto tempo perdemos com essa bobagem. Quanta gente sofreu pq não via seus amores representados na telinha. Quis trazer novamente essa história na semana do Orgulho LGBTQIA+ para celebrar os avanços dos últimos anos. Ainda existem muitos desafios, muita gente tosca (e criminosa) por aí, mas também há evolução e conquistas. Hoje, aquela história do Zeca e do Junior seriam completamente diferentes. E o tal beijo nem seria grandes coisas. Ainda bem!

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